[8] Segundo Marchetti (numa das passagens de seu livro inicialmente censuradas pela Suprema Corte, em função de apelações judiciais da CIA), “A inteligência da Aeronáutica é maior organização de espionagem em toda a comunidade de inteligência, com 56.000 empregados e um orçamento anual [1973] de cerca de 2,7 bilhões de dólares. A maior parte desta última cifra vai para pagar os satélites de reconhecimento, extremamente dispendiosos, e os foguetes necessários para colocá-los em órbita. Uma parte separada da inteligência da Aeronáutica, o Escritório Nacional de Reconhecimento [NRO] opera estes programas de satélites para todo o mundo da inteligência, e o orçamento do NRO é superior a 1,5 bilhões de dólares anuais. O NRO trabalha com tanto sigilo que sua própria existência é sigilosa. Por muitos anos, seu Diretor foi um misterioso Coronel da Aeronáutica (posteriormente General-de-Brigada) chamado Ralph Steakley, que se reformou nos primeiros anos da década de 70, para empregar-se na Westinghouse, [atuando como] um empreiteiro-de-defesa, que vende bastante equipamento ao NRO.” A CIA e o Culto da Inteligência, Victor Marchetti e John D. Marks, Nova Fronteira, (1974?), pags. 78 e 86, 87.

[9] Bamford cita declarações de Marchetti e Marks no sentido de que, ao tomar posse na Direção da CIA em 1966 (governo Johnson), Richard Helms mostrou-se “frustrado por sua falta de real autoridade dentro da comunidade de inteligência”. De acordo com estes autores, em declaração a seus subordinados, Helms afirmou que “conquanto que ele, como Diretor de Inteligência Central, fosse teoricamente responsável por 100% das atividades de inteligência da nação, ele de fato controlava menos que 15% das provisões da comunidade – e a maior parte dos outros 85% pertenciam ao Departamento de Defesa (Pentágono) e ao Estado Maior das Forças Armadas”. Esta parte militar do orçamento inclui o da NSA.

De acordo com o Comitê de Inteligência do Senado (1975), citado por Bamford, “Pela aferição de orçamento, o indivíduo mais influente (na comunidade de inteligência) é o Diretor da NSA, quem, incluindo sua atribuição dual como Chefe do Serviço Central de Segurança, administra o mais volumoso programa isolado contido no orçamento de inteligência nacional.” The Puzzle Palace, Penguin Books, 1982, pags. 16-19.

Ao se tomar o orçamento de 1973 apresentado por Marchetti (pag. 78, op. cit.), a dotação do NRO (mais de 1,5 bilhões) seria contudo maior que a dotação da NSA (1,2 bilhões). Deve-se levar em conta nesses números, as mudanças de políticas e de divisões orçamentárias ao longo de cada período administrativo, além de que, mesmo no caso de Marchetti, que fôra alto oficial .do Gabinete do Diretor da CIA de 1966 a 1969, as informações obtidas são estanques. Além disso, o Congresso não controla de fato todas as dotações orçamentárias, havendo dotações não-oficiais, cooperação das agências com as empresas, dotações privadas provenientes das empresas, do mundo financeiro, dos clubes de poder, etc.

[10] Civilização Brasileira / Círculo do Livro, 1976, pags. 325, 366. Original: Inside the Company: CIA Diary, 1975.

 

O Governo Invisível – 3

Ciro Moroni Barroso

Tribuna de Petrópolis

23 / Maio / 1993 [revisão e notas, 1999]

Um acontecimento significativo, que mostra como foi intensa a luta de bastidores na formação do poder secreto norte-americano, é o ingresso, em 1957, do Almirante Hillenkoeter, primeiro Diretor da CIA, no NICAP, um comitê de cientistas e oficiais da reserva dissidentes, que faziam uma pesquisa independente sobre os discos voadores, em desafio à política oficial de sigilo a respeito. Os discos voadores haviam sobrevoado Washington na madrugada de 20 de julho de 1952 e, por causa disso, diversos oficiais da Aeronáutica haviam decidido que era tempo de abrir a questão ao público. Quando estavam prestes a fazê-lo no final de 1952 (com Eisenhower já eleito), a CIA interveio, ordenando aos militares segredo-máximo. O conceito de ufos, como um objeto exótico e imponderável, passou a ser vendido às Forças Armadas, ao mundo acadêmico, e ao público, através do Painel Robertson, do Relatório Condon, e do Livro Azul.

O ingresso de Hillenkoeter, que fôra o primeiro Diretor da CIA de 1947 a 1950, durante a fase constitucional da Agência, num grupo de militares dissidentes, era embaraçoso para a cúpula norte-americana naqueles bons tempos de macartismo, porque equivalente aos processos de dissidência no mundo soviético. Hillenkoeter e o NICAP dirigiram-se ao Congresso em 1960, denunciando o sigilo imposto dentro da Aeronáutica sobre os discos voadores. Uma investigação parlamentar foi aberta, com uma apreciação dos dados do NICAP, mas não tardou para que Hillenkoeter fosse silenciado, e o Congresso afastado da questão, com o parlamentar Brooks, que conduzia as investigações, adoecendo e falecendo subitamente.

A questão dos discos voadores, desde então, têm-se mantido tão imponderável quanto o próprio “governo invisível”: muitos sabem a respeito, mas ninguém tem a coragem de falar abertamente. Depois da fase em que as consequências da presença de visitantes estrangeiros em nosso planeta foram administradas pela CIA, durante os anos 50 e 60, a questão foi passada para outras instituições menos conhecidas dentro do sistema de governo secreto, tais como o Escritório Nacional de Reconhecimento (NRO), e a gigantesca Agência Nacional de Segurança (NSA). Se existe o risco de se subestimar o papel da CIA na montagem do poder internacional norte-americano, o risco também existe de se superestimar o papel da mesma diante de outras organizações bem mais ricas, complexas e poderosas, que vieram a constituir o “governo invisível”.

Sem fanfarras, sem conhecimento público, sem comentários na imprensa, a poderosíssima NSA foi criada por Truman no dia da eleição presidencial de 4 de novembro de 1952, que levou ao poder o General Eisenhower. A necessidade de se manter a discrição e afastar a curiosidade dos jornalistas, que marcou toda a vida da Agência de Segurança Nacional, foi o motivo da escolha daquela data para sua fundação, de modo que possíveis comentários sobre o fato se perdessem no noticiário eleitoral. Ao ser fundada, apenas um punhado de pessoas dentro do governo ficou sabendo de sua existência. Até 1982 a NSA era uma coisa completamente desconhecida para os cidadãos norte-americanos. Neste ano um scholar, James Bamford, publica um longo e primeiro ensaio sobre a Agência, revelando seu histórico e seus sistemas complexos de espionagem eletrônica mundial, com o título de The Puzzle Palace.

A NSA foi criada para fazer a escuta e interpretação de toda e qualquer telecomunicação, civil ou militar, estratégica ou trivial, a nível de todo o globo planetário. Em 1964 essa tarefa era cumprida através de um rede de mais de duas mil estações interceptadoras espalhadas em todo o mundo, e essa rede foi ampliada consideravelmente com os satélites em órbita. Ela tem por tarefa, além disso, fazer a análise e resumo das informações coletadas, a serem repassados aos orgãos governamentais. Nada menos que 40 toneladas de papéis são emitidos pela NSA diariamente, o que resultou certa feita numa cena cômica, quando o governo tentou incinerá-los, construindo especialmente um forno na Florida (a sede da Agência é em Fort George Meade, Maryland) que acabou dando um colapso, desencadeando uma operação militar. Segundo Bamford, em 1978, mesmo depois de cortes efetuados com o fim da guerra do Vietnã, a NSA controlava cerca de 70.000 funcionários, todos com expresso juramento de sigilo. A Agência tem uma Universidade própria para a formação de seus quadros, com 18.000 alunos. Nos anos 80 a dotação da NSA era de 2 bilhões de dólares anuais, oficialmente.

Tomando-se como referência os dados apresentados por Marchetti e Marks em seu A CIA e o Culto da Inteligência, dados que devem referir-se ao ano de 1972 ou 73, num orçamento total de cerca de 6,230 bilhões de dólares para a comunidade de inteligência norte-americana, a CIA teve um orçamento na ordem de 750 milhões; a DIA (Agência de Inteligência da Defesa) de 200 milhões; a inteligência da Marinha 600 milhões; a inteligência do Exército 700 milhões; a inteligência da Aeronáutica 2,700 bilhões, o que inclui o orçamento do NRO com mais de 1,500 bilhões; e a NSA 1,200 bilhões; além dos orçamentos menores do FBI, da inteligência do Departamento de Estado (Relações Exteriores), da inteligência da Comissão de Energia Atômica, e da inteligência do Tesouro. [8] [9]

Quanto à NSA, de acordo com Bamford, “a despeito de seu tamanho e poder, entretanto, nenhuma lei jamais foi estabelecida proibindo a NSA de se engajar em qualquer atividade. Existem apenas leis que proíbem a distribuição de qualquer informação acerca da Agência. E conclui: “Além de estar livre de quaisquer restrições legais, a NSA tem capacidades tecnológicas de espionagem de telecomunicações para além da imaginação”. O pesadelo de George Orwell ocorrendo na América, porém bem antes de 1984.

 

O Governo Invisível – 4

Tribuna de Petrópolis

13 / Junho / 1993

Os leitores terão notado o recente noticiário sobre um relatório da CIA para o Brasil, com verificações um tanto óbvias acerca da instabilidade do governo Itamar. As conclusões são resultado de análises feitas por especialistas acadêmicos em assuntos latino-americanos e essas análises não significam, a princípio, nenhuma postura clandestina da Agência, que parece ter-se tornado mais bem-comportada, reduzida em suas funções, cumprindo meramente seu papel inicial de coletar informações úteis para o Executivo norte-americano. O que é estranho, de qualquer forma, é que a divulgação do relatório sugere uma postura de intimidação e advertência de Tio Sam para com a nação brasileira, que se encontra ainda sob sua esfera de influência estratégica. O militares brasileiros, como se sabe, andam furiosos com esse tipo de coisa, ao contrário do alinhamento automático que adotavam há vinte e cinco anos. Um detalhe importante é saber como e porque o jornal O Globo foi o escolhido para divulgação exclusiva desse relatório.

Philip Agee, que trabalhou na CIA até 1969, quando se tornou dissidente, conclui seu relatório pessoal sobre a Agência, Dentro da “Companhia”: Diário da CIA [10], cuja edição a Agência tentou retardar e cortar, afirmando que: “As comissões de investigação do Congresso podem, se o desejarem, iluminar todo um escuro mundo de watergates no exterior, durante os últimos 30 anos... A questão fundamental é passar das operações da CIA às razões pelas quais elas se deram – o que levará, inexoravelmente, a questões de ordem econômica: preservação de relações de propriedade e de outras instituições sobre as quais repousam os interesses de nossa própria e privilegiada minoria.” Ele revela ainda que Jim Noland lhe confidenciou em 1964, depois de ter-se tornado o chefe do escritório da CIA para o Brasil em Washington, que “O Brasil é o problema mais sério que temos na América Latina, mais sério na realidade que Cuba desde a crise dos mísseis”.

Mas isto foi no tempo em que a CIA estava no auge de seu pode de espionagem e ação clandestina para a derrubada de governos no terceiro mundo demasiado independentes ou revolucionários, o que era justificado pelo fato de que estes governos poderiam cair sob a esfera de influência da União Soviética, dentro do estrito xadrez estratégico da Guerra Fria. Em 1967, por exemplo, a seção latino-americana da CIA tinha um orçamento de 37 milhões de dólares, somente para despesas de rotina. Em 1962, uma comissão de parlamentares brasileiros descobriu que o escritório da Agência no Rio de Janeiro havia gasto entre 12 a 20 milhões de dólares com candidatos conservadores e pró-americanos nas eleições recém realizadas. Ned Holman, chefe do escritório da CIA em Montevidéo, revelou a Agee que a Agência havia participado decididamente na derrubada de João Goulart, com o escritório do Rio de Janeiro “financiando demonstrações de massa contra o governo”. O planejamento político e as campanhas publicitárias para a derrubada de Goulart foram iniciados antes da eleição de 1962.

A mesma coisa aconteceu no Chile em 1964, na disputa entre Allende e Frei, quando a CIA “gastou vários milhões de dólares para fortalecer os partidos de direita e comprar votos contrários ao candidato socialista.” Phillip Agee trabalhava nesta época no escritório de Montevidéo, através do qual os escudos chilenos foram passados, e revelou que o dinheiro era tanto, que ele gastou um dia inteiro para contar. A mesma coisa aconteceu no Irã, na Indonésia, no Equador, na Guatemala, no Laos, no Vietnã, em Chipre, e em incontáveis situações pelo mundo afora. Em todos estes casos, houve sempre uma política ambígua, com o Departamento de Estado (isto é, a diplomacia) afirmando “jamais interviremos no mundo livre”, ao mesmo tempo em que os agentes da CIA se mantinham atarefados com as intervenções. Exemplo disto foram as reiteradas afirmações de Kissinger, de que jamais os Estados Unidos teriam “feito baixezas” no Chile, depois de ter sido ele próprio quem tomara as iniciativas contra Allende, em seguida à ascensão democrática deste ao poder em 1970. Segundo Victor Marchetti, Kissinger é “um notório trapaceiro”, que jamais mereceu o Prêmio Nobel.

De qualquer forma, quaisquer que tenham sido os méritos da justificativa dessa política clandestina face à expansão da União Soviética, o fato é que foram os países do terceiro mundo os grandes perdedores da batalha da confrontação “fria” entre as duas super-potências. Em poucas oportunidades, os países atingidos pelas conspirações da CIA estavam realmente se inclinando para a União Soviética. Em muitos casos, buscavam autonomia real diante de ambas as super-potências.

É fácil, portanto, compreender porque governos tais como o de Itamar Franco são tão frágeis: isto é resultado de décadas de solapamento e destruição de políticas nacionalistas mais decididas, e não de uma fragilidade ou incompetência intrínsecas de brasileiros ou outros terceiro-mundistas. Quanto ao poder constitucional norte-americano, ele é igualmente frágil e vítima de uma síndrome de impotência diante de poderes não-constitucionais mais fortes. Kennedy e Carter, que foram relativamente independentes, pouco ou nada puderam fazer. Clinton, certamente, não irá muito além de exibir sorrisos e cortes de cabelo para o distinto público.